Streamer Mariana Ayrez vê avanço no mercado gamer no Brasil, mas relembra episódios de haters
Mariana Ayrez é uma das principais personagens do mundo gamer e geek brasileiro contemporâneo, estreou como apresentadora em 2013 no Tecmundo e no Baixaki Jogos (atualmente Voxel) em Curitiba.
Dois anos depois veio para São Paulo produzir conteúdo para a Microsoft na Divisão Xbox no Inside Xbox. Em 2018, com um canal de YouTube, ao lado da amiga Thaís Matsufugi, viu sua popularidade aumentar. O ‘Mari&Tha’ trouxe mais diversidade ao cenário nacional.
De 2020 a 2021, durante a pandemia, apresentou o programa semanal do PUBG Brasil e o Multiverso, este ao vivo da emissora Loading, canal de TV aberta. No mesmo ciclo a plataforma Booyah! contratou Ayrez como streamer.
Em entrevista exclusiva ao Yahoo Esportes, Ayrez fala de sua relação com o mundo geek e nerd, o florescer deste amor, a ascensão profissional, mas também a toxicidade que permeia tais ambientes sob sua frágil superfície e aponta como esta afeta pessoas de diversos perfis.
Yahoo Brasil: Como se deu seu primeiro contato com o mundo dos games e com a cultura geek?
Mariana Ayrez: Olha... (respira). É meio difícil saber quando foi o primeiro contato. Meu irmão ganhou um Super Nintendo acho que em 1994, quando eu tinha três anos de idade, e videogame era uma das poucas coisas que nos fazia interagir sem brigarmos. Lembro dele me ensinando a jogar ‘F-Zero’ (1990) e jogando ‘Zombies Ate My Neighbours’ (1993) em co-op (modo cooperativo) comigo quando eu já tinha uns 5 anos.
Minha mãe sempre foi ávida leitora e sempre gostou de fantasia, tanto que leu todos os ‘GOT’ (Game of Thrones) antes de existir a série e veio, junto com meu irmão mais velho, me falar sobre e pedir para eu ler. Ela leu todos os ‘Harry Potter’, sendo que eu parei de ler no terceiro, quando tinha uns 12 anos. Lembro de como ‘Senhor dos Anéis’ era um assunto comum lá em casa quando o filme foi lançado e eu tinha apenas 10 anos. Enfim, tudo isso para dizer que sempre tive uma família geek e nerd e meio que não tinha como fugir disso (risos).
Em 2013, você iniciou o trabalho como apresentadora de games e tecnologia. O que vê de diferença daquela época para hoje?
Vejo muita diferença. Sinto que, infelizmente, esse meio ainda é bem complicado para mulheres, pessoas pretas, pessoas LGBTQIAP+ e PcDs (Pessoas com Deficiências). Mas sem dúvida, depois desses quase 10 anos estamos em um ponto muito melhor. A internet ficou um pouco mais acessível, jogos mobile agregaram pessoas de classes sociais menos favorecidas e, com isso, pessoas que pertencem a grupos minoritários puderam se conhecer, trocar experiências, fortalecer e proteger umas às outras.
Muitas vezes é um trabalho de formiga, mas em 2013 lembro de ter sofrido muito hate em lives apenas por ser mulher. Isso ainda acontece com muitas pessoas, mas o medo do cancelamento hoje fala mais alto do que o preconceito, na maioria das vezes. Ainda que as pessoas nos odeiem, fica feio falar na internet, sabe?!
Como se deu a transição para streamer?
Se deu por obrigação de pagar as contas (risos).
Em 2018, eu era apresentadora junto com minha amiga (Thaís Matsufugi) no mesmo projeto e não estávamos felizes. E poxa, se for para não ficar rica com videogame, que seja ao menos divertido, certo?
Abrimos nosso canal no YouTube, e, em seguida, fomos demitidas por isso. O canal deu certo e conseguimos contrato com o Facebook Gaming, que estava estreando no Brasil. Conseguimos a primeira leva de contrato para ‘streamar’ de segunda a sexta e ficamos lá por um ano. E tenho certeza de que não teria conseguido sem minha parceira.
Hoje muitas pessoas buscam atuar como streamers, o que faz um streamer ser considerado bom por fãs e empresas?
Boa pergunta! Diria que é a pergunta de milhões (risos).
Pelo menos do ponto de vista do público que assiste, acho que ser verdadeira, ter algum nível de carisma, e fazer porque realmente gosta, esses pontos ajudam muito; e não porque quer ser famoso ou algo assim.
A periodicidade também é algo muito valioso tanto para quem assiste, quanto para empresas e marcas. Além disso, pensando nas marcas, ser uma pessoa consistente, obviamente que não promova ódio ou preconceitos e que acompanhe as tendências de mercado certamente abre muitas portas.
Como está a cultura geek no Brasil em relação ao mundo?
Na parte dos fãs acho que estamos de igual para igual. Conseguimos acompanhar tudo ou quase tudo que é feito fora daqui. Falta um pouco para nós valorizarmos nossa própria produção de conteúdo e eventos, mas em relação ao que é feito lá fora a gente acompanha, seja pagando ou pirateando. Em relação às marcas e eventos, acho que falta muita acessibilidade ainda. Com exceção da PerifaCon (“A Primeira Convenção de Nerds das Favelas”) - que eu amo e acho umas das coisas mais incríveis já feitas em solo brasileiro se tratando de cultura geek -, as empresas e marcas pensam muito ainda em lucrar (e lucrar muito) às custas de uma paixão mundial. Assim como os games, eventos e produtos geek ainda são pouco acessíveis para quem não tem dinheiro sobrando, e a maioria não tem.
Você é uma mulher dentro desses universos. Como sente sua posição neles pela questão de gênero?
Sou uma mulher, mas com muitos privilégios. Apesar de não ser de família rica, nunca me faltou nada e sempre tive acesso à informação e à educação de qualidade, estudei em colégio público, mas numa cidade pequena com escolas municipais muito boas. Além disso, sou branca, sempre fui magra e considerada dentro do padrão de beleza estabelecido pela maioria. Me considero uma pessoa resiliente e dessas que não leva desaforo para casa. Considerando tudo isso, ainda sou mulher.
Então já sofri muito lá no início e teve um episódio muito marcante em que saí chorando no meio de uma live na minha antiga empresa, pois não tínhamos moderação no chat e li ofensas que eu nem sabia que existiam. Mas com o tempo aprendi a me apoiar em pessoas que me valorizam e hoje para cada comentário desrespeitoso, tenho cinco me defendendo. E sinto que sou essa pessoa quando alguém que eu gosto e respeito sofre algo parecido.
Precisa lidar com haters? Se sim, como trabalha a saúde mental ao receber mensagens de ódio?
Eu tive muita sorte de ter que lidar com uma quantidade massiva de haters em apenas duas situações. A primeira foi essa live de lançamento de ‘GTA V’ (2013), que saí chorando no meio da transmissão. E a segunda se deu recentemente numa empresa que tem uma das comunidades mais tóxicas que já conheci. Foi muito difícil, pois já estávamos na pandemia (com o lado psicológico bem afetado) e terminou pior ainda, pois fui demitida.
Na época uma amiga se ofereceu para cuidar uns dias das minhas redes sociais e me fortaleci na minha família. Hoje faço terapia e raramente tenho que lidar com comentários ofensivos. O problema de ser mulher é que diariamente recebemos mensagens com assédio. Mas hoje vejo mais essas pessoas que assediam ou destilam ódio como pessoas tristes, não realizadas e que tentam de alguma forma chamar atenção de quem quer que seja. Consigo não me importar e faço piada da desgraça, que é o que me resta.
O que pode ser feito para diminuir o que clima que gera as mensagens de ódio?
Eu não acho que seja “um clima” que gere mensagens de ódio. Eu acho que são pessoas. Pessoas diversas e que vão atrás do que querem. Essas pessoas incomodam quem sempre teve privilégios e dominou espaços que agora anseiam por diversidade. Do meu ponto de vista, as “mensagens de ódio” são todas fruto de preconceitos, situações e sentimentos mal resolvidos dentro de quem articula essas mensagens. Eu acho que o que pode ser feito é denunciar e punir. Cabe às pessoas denunciarem e às empresas e órgãos responsáveis punirem.
Foi agressivo, preconceituoso ou ofensivo num jogo online, numa rede social, numa plataforma qualquer que seja? Tem que banir, tem que demitir, tem que perder patrocínio.
Em relação aos anônimos da internet, tem que denunciar também e as redes sociais e as plataformas de streaming têm que banir a conta. Se a pessoa fizer outra conta, bane também até parar. Não tem conversa com quem só quer ofender ou diminuir o trabalho de outras pessoas. O filósofo Karl Popper falou sobre como não devemos tolerar pessoas intolerantes e eu concordo.