Com apoio a Rossi, PT e MDB voltam a marchar juntos. Inimigo agora é outro
Em agosto de 2021 completam-se dez anos da demissão de Wagner Rossi do Ministério da Agricultura.
Cacique do então PMDB paulista, ele entregou uma carta à presidente Dilma Rousseff (PT) após semanas consecutivas de denúncias de irregularidades, entre elas o uso de um jatinho particular que pertencia a uma empresa da área que comandava. Eram tempos em que conflito de interesse ainda chocava. E sua permanência no posto ficou insustentável numa época em que a presidente tinha 71% de aprovação.
A efeméride certamente passaria batida não fosse o fato de que, dez anos depois, o PT e Baleia Rossi (MDB-SP), filho do ex-ministro e atual presidente na legenda, não estivessem novamente no mesmo front. Desta vez, na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados.
O processo de impeachment contra Dilma Rousseff foi selado após a deterioração da aliança com o PMDB de Michel Temer, Eduardo Cunha e o próprio Wagner Rossi. A demissão deste último mostra que a coisa começava a desandar logo no primeiro ano do mandato. Chegou ao auge com a famosa carta de Temer revoltado com o papel de vice decorativo.
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Em 2016, Baleia Rossi justificou o voto contra a petista no processo de impeachment, que chamou de histórico. “Vou honrar os 208 mil votos que recebi do povo paulista e ouvir a voz dos milhões de brasileiros que foram às ruas espontaneamente para mostrar a insatisfação com o governo, votando favoravelmente ao impeachment da presidente”, escreveu na época, em sua página oficial, o hoje candidato a presidente da Câmara. “Não compactuo com a falta de governabilidade, com a incapacidade da presidente de conduzir o país e com a ausência absoluta de perspectivas para o futuro”, completou.
Baleia Rossi foi o nome escolhido pelo grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual comandante da Casa, para fazer frente ao candidato Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Jair Bolsonaro (sem partido), à sua sucessão. O mesmo Maia que justificou o voto pelo impeachment para vingar seu pai, o ex-prefeito do Rio César Maia, que “foi atropelado pelo PT, que rasga Constituição no Rio, e rasga a Constituição aqui (em Brasília)”.
Cinco anos depois, os caciques (ou herdeiros) de DEM e MDB precisaram recorrer aos antigos inimigos para evitar a dobradinha do candidato do PP com Bolsonaro, aquele ex-deputado do baixo clero que homenageou o torturador de Dilma, Brilhante Ustra, em seu voto na mesma sessão. Lira, cacique de outro ex-partido da base da então presidente, o PP, também votou a favor do afastamento da petista.
O PT possui atualmente 54 deputados. Tem acumulado derrotas dolorosas em disputas eleitorais recentes. Nas últimas, viu diminuir drasticamente o número de prefeitos eleitos pelo país. Apesar de ter a maior bancada da Câmara, já não dá as cartas e não tem força para eleger seu próprio presidente nem de liderar uma frente de esquerda com outras legendas. Mas tem tamanho suficiente para ser cotejado aos pretendentes ao cargo.
O apoio do PT é agora fundamental para quem terá, pelos próximos dois anos, a chave capaz de abrir um possível processo de impeachment -- e outras pautas delicadas para o atual governo.
Na segunda-feira 4 a bancada petista decidiu, em um resultado apertado (27 votos contra 23) apoiar Baleia Rossi.
Em sua justificativa, o Partido dos Trabalhadores manifestou, em nota, que a decisão está relacionada ao compromisso do postulante “em defesa da democracia, da independência do Poder Legislativo e de uma agenda legislativa que contemple direitos essenciais da população”.
Ex-adversários, petistas, democratas, emedebistas e até tucanos sabem que o inimigo agora é outro. E que correm o risco de serem engolidos com a ascensão do bicho que tomava fôlego, pelas beiradas, enquanto digladiavam na época em que as divergências falavam mais alto do que qualquer possibilidade de entendimento.