Macron impõe sua reforma da previdência na França sem o voto dos deputados

O presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu, nesta quinta-feira (16), adotar sua impopular reforma da previdência sem o voto dos deputados, arriscando a queda do governo de sua primeira-ministra com uma moção de censura e o recrudescimento dos protestos.

A polícia precisou intervir com canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar milhares de manifestantes reunidos na Praça da Concórdia, em Paris, perto da Assembleia Nacional (câmara baixa), para protestar contra a reforma e sua polêmica adoção.

"Estou farto. Estamos nos mobilizando há semanas e a única resposta do governo é usar" o artigo 49.3 da Constituição, que permite contornar o Parlamento, lamentou Ruben, um estudante de Ciências Políticas de 20 anos.

Em meio aos gritos da oposição de esquerda, que cantava a Marselhesa, o hino nacional francês, a primeira-ministra Élisabeth Borne teve que forçar a voz na Assembleia Nacional para anunciar o uso do polêmico artigo.

"Até o último minuto, fizemos todo o possível para garantir uma maioria para este texto (...) mas as contas não batiam", explicou Borne à emissora TF1, confirmando a ativação do artigo 49.3 em "comum acordo" com Macron.

A 100ª ativação desde 1958 da polêmica ferramenta constitucional aumentou a tensão com os sindicatos, que convocaram uma nova rodada de manifestações para a próxima quinta-feira.

Apesar da reprovação de dois a cada três franceses, segundo as pesquisas, Macron quer aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030 e adiantar para 2027 a exigência de 43 anos de contribuição (e não 42 como até agora) para garantir a aposentadoria integral.

Durante o Conselho de Ministros que autorizou o uso do 49.3, o presidente avaliou que não podia jogar "com o futuro do país" e que "os riscos financeiros e econômicos eram muito grandes" para perder a votação, segundo participantes da reunião.

A segunda economia da União Europeia (UE) tem uma das idades de aposentadoria mais baixas do bloco e enfrentaria, segundo o governo, um déficit no futuro do caixa das pensões, que esta reforma busca atenuar.

"A França tem um sistema que não é sustentável", disse o ministro socialista da Segurança Social espanhol, José Luis Escrivá. Na Espanha, a idade de aposentadoria será de 67 anos a partir de 2027.

- Moção de censura -

A única maneira de impedir agora sua aplicação é se os deputados aprovarem uma moção de censura contra o governo, que será debatida nos próximos dias. A líder da extrema direita, Marine Le Pen, já anunciou que apresentará uma proposta deste tipo.

"É a constatação de um fracasso total" para Macron, acrescentou a sua rival no segundo turno da última eleição presidencial. De acordo com as pesquisas, o partido de Le Pen sai fortalecido da queda de braços sobre a aposentadoria.

Para além do projeto, o presidente de 45 anos, reeleito há quase um ano com a promessa de reformar a França, acredita que com essa reforma poderá aplicar seu programa de governo durante seu segundo mandato.

Com o aval do Senado, que aprovou a reforma apresentada pela manhã, o governo se esforçou em convencer os deputados governistas e seus aliados de direita do partido Os Republicanos (LR) ainda reticentes, porém sem sucesso.

O líder desse partido, Éric Ciotti, indicou que não apoiará nenhuma moção de censura, apesar de Aurélien Pradié, um dos deputados reticentes, assegurar que pensará no assunto.

O grupo de deputados independentes LIOT estuda apresentar uma moção de censura, se o governo não retirar a reforma. Esta poderia reunir o máximo de apoio possível, porém é incerto se conseguirá derrubar o trâmite colocado em prática pelo governo.

"O governo estava diante de duas soluções ruins": arriscar-se ao voto e perder, e ativar o 49.3, indicou Antoine Bristielle, especialista em opinião pública da Fundação Jean Jaurès, para quem o caminho escolhido "dará um segundo impulso" aos protestos.

O novo episódio na saga das aposentadorias chega no momento em que as greves prorrogáveis lançadas na semana passada em setores-chave como a energia e transporte perdiam força, apesar das fortes imagens das toneladas de lixo acumuladas em Paris.

Caso a moção de censura fracasse e a reforma seja adotada, a oposição de esquerda prepara um recurso ao Conselho Constitucional que atrasaria sua promulgação e daria mais tempo aos opositores para utilizar seus últimos cartuchos, como um pedido de referendo.

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