Se fosse na Alemanha, neonazista que desfilou com a suástica no bar estaria preso
Em que momento abriu-se o vórtice no centro da sociedade brasileira que levou alguém a se sentir à vontade, em pleno 2019, para fazer apologia ao nazismo como se vestisse a camisa de seu time de futebol?
O caso do pecuarista de Unaí (MG) que foi ao bar com a suástica desenhada na braçadeira é a imagem mais clara e atualizada de um movimento que tem crescido no país pouco menos de um século após a tragédia da Alemanha de Hitler -- uma experiência fundada no racismo que perseguiu minorias e matou seis milhões de judeus.
Não é preciso descer à deep web para visualizar o que dizem movimentos de negação do holocausto em fóruns de ódio alimentado por racismo, misoginia e antissemitismo. A sombra hitlerista, contida ao fim da Segunda Guerra, não foi vencida pelo bom senso; pelo contrário, ainda vaga por aí.
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No faroeste caboclo nacional, violência política é regra, não exceção
Há poucos dias, um vereador de São Paulo foi xingado de “judeu filho da puta” em plena Câmara dos Vereadores por outro vereador.
Em São Caetano, um careca do ABC desferiu um soco em um amigo meu porque julgou que uma de suas tatuagens fazia referência ao movimento antifascista.
Em Belo Horizonte, uma mulher se negou a pegar um táxi com um homem negro e saiu gritando para quem quisesse ouvir: “sou racista mesmo”.
O ódio a minorias que já não tinha disfarce agora veste a camisa. Sente-se empoderado em uma época em que o presidente da República contabiliza o peso de pessoas negras em arrobas.
Tudo normal.
Não pela lei.
Em conversa com o blog, a antropóloga da Unicamp Adriana Dias, que estuda movimentos neonazistas no Brasil desde o começo dos anos 2000, afirma que a apologia ao nazismo é apologia à violência e ao racismo. Um crime, portanto. “A lei diz que não é liberdade de expressão. A lei diz que o uso da suástica é racismo. Então, começa por aí.”
No Brasil, a pena para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é de reclusão de um a três anos e multa. Além disso, quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, pode render dois anos de detenção.
Apesar disso, as imagens do criminoso em Unaí mostram que ele não foi sequer importunado pela atitude criminosa. A polícia nada fez.
Adriana Dias lembra que ostentar o símbolo nazista é uma forma de divulgar as ideias nazistas. “Tanto ele fez essa divulgação que todo mundo viu.”
Um mapeamento recente da pesquisadora mostrou que o Brasil possui, atualmente, 334 células neonazistas. São grupos, de duas a 40 pessoas, que se organizam e se reúnem para difundir as ideias de superioridade e pureza da raça branca, muitas vezes impostas pelo uso de todo tipo de agressão.
Ela defende que a lei no Brasil deveria ser mais precisa e reformulada, com a inclusão de outros símbolos neonazistas, como aconteceu na Alemanha. “Se esse cara aparece assim na Alemanha ele é jogado em uma prisão sem fiança. Por que no Brasil somos tão tolerantes com o intolerável?”.
Em outubro, a polícia alemã prendeu seis homens suspeitos de formar uma organização militante de extrema-direita que atacava estrangeiros na cidade de Chemnitz. As investigações apontavam que o grupo planejava atentados contra políticos e servidores públicos.
Por aqui, o caso do neonazista de Unaí é só a face literal de um iceberg construído sobre o ódio e acobertado pela impunidade.