Vitória de bolsonaristas no Congresso revela limites da frente ampla para 2022
A derrota da oposição ao governo nas eleições para o comando do Congresso, nesta semana, expôs o grau de dificuldade para a construção de uma frente de fato ampla contra Jair Bolsonaro até a próxima eleição. Não é por acaso que, ao ser fustigado e chamado de fascista em sua fala no Senado, o presidente tenha marcado a hora, o local e a razão do duelo. “Nos vemos em 22”.
Em conversa com a coluna no dia em que chegou ao fim a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o professor de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito da PUC-SP Luiz Guilherme Arcaro Conci afirmou que um dos legados das operações lideradas a partir de Curitiba (PR) foi a ascensão da extrema direita, catapultada pela demonização da política e a fragmentação partidária.
Essa fragmentação beneficia quem já está em campo e não dá sinais de que perderá a base de 30% dos eleitores mais fiéis. É o suficiente para atravessar o rubicão em direção a 2026.
Uma breve reconstituição histórica ajuda a perceber o fenômeno.
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Em 2010, os três principais candidatos a presidente --Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) --receberam quase 99% dos votos no primeiro turno. Na ocasião havia um total de nove postulantes, seis deles de partidos nanicos, verdadeiros traços de audiência e pouco competitivos.
Quatro anos depois, a disputa contou com 11 candidatos, mas os três primeiros obtiveram mais de 96% dos votos. Dilma e Marina seguiam disputando os votos da esquerda e centro esquerda, e Aécio Neves (PSDB) era o candidato da direita e centro direita. Havia um equilíbrio naquele tripé que poderia eleger qualquer um deles e quase ninguém fora dali.
Naquele ano a Lava Jato tomou corpo e passou a moldar as disputas eleitorais.
Na corrida presidencial de 2018, o total de votos dos três primeiros colocados --Jair Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT)-- caiu para 88%, o menor na década. Os demais foram pulverizados em outros dez candidatos, entre eles Geraldo Alckmin (PSDB) e Amoêdo (Novo).
Deles, Alckmin era quem tinha a maior aliança. E não decolou.
Aquela disputa mostrou como o eleitor passou a ser disputado por um modelo de conquistas segmentado. Tinha candidatura à esquerda, mais à esquerda, à direita, direita liberal, direita chucra, centro, centro animado, centro insosso. O cardápio se expandiu.
Não só porque novos partidos se formaram ao longo da última década, como o Novo, que se reinvindica uma direita modernizante, e a Rede, uma resposta ao debate ambientalista que perdia terreno no campo da esquerda neodesenvolvimentista.
Mas também porque partidos antes satélites no entorno de PT e PSDB viram a crise de protagonismo em curso e passaram a se posicionar como alternativa viável no tabuleiro. O PSB da família Campos e o PDT dos Gomes são os exemplos à esquerda. O iminente divórcio entre PSDB e DEM, que já tinham a concorrência de partidos como o Novo, Avante, Patriota, Cidadania e até o PSL, sinaliza a fragmentação à direita.
As peças volantes do velho PMDB, acopladas a qualquer governo, à esquerda ou à direita, também têm hoje a concorrência de PSD e PP, partido que se fortaleceu no governo Bolsonaro, seu ex-filiado, apesar de ser o partido com mais investigados na Lava Jato.
Sem partido, mas com a máquina na mão, Bolsonaro produziu na disputa pelo Congresso um campo gravitacional ao seu redor. A consequência foi a decantação forçada das peças que tentam consertar as avarias resultantes da disputa para se reorganizar até 2022.
Hoje quase todos estão mancos.
Rodrigo Maia (DEM-RJ) já não é garantia de equilíbrio e aliança de seu partido atual com o PSDB de João Doria. Deve mudar de partido em breve, sinalizando que democratas e tucanos não estarão na mesma trincheira daqui a dois anos.
Ciro e os petistas não dão sinais de que até 2022 falarão, em algum momento, a mesma língua. O mesmo se pode dizer em relação ao PSB. Nas eleições municipais de 2020, os então principais partidos de esquerda estiveram em barcos diferentes nas disputas em São Paulo e Rio de Janeiro. Ficaram de fora até mesmo do segundo turno.
A fragmentação tem fomentado impasses peculiares. Ex-partido de Bolsonaro, o PSL entrou na fase de testes para medir a musculatura para receber os deputados da base do governo hoje descontentes para se posicionar como um reduto de oposição ao governo que ajudou a eleger.
Tantas alternativas equivalem a alternativa alguma frente a um adversário que se fortalece sem precisar ampliar o leque de eleitores.
Para reunir opositores e arrependidos, uma ainda virtual frente ampla terá de quebrar uma tendência já apontada em 2018 e que pode se acentuar em 2022: a dispersão dos votos resultante da fragmentação partidária.
Neste ritmo, quem esperava uma reedição do embate entre Joe Biden e Donald Trump, só possível em um país de sistema bipartidário, pode esperar sentado até 2026.