Como personal trainer preparou Viola Davis e o elenco de ‘A Mulher Rei’
No filme ‘A Mulher Rei’ (2022), a atriz vencedora do Oscar Viola Davis (Um Limite Entre Nós) interpreta a guerreira africana Nanisca, líder das agodjie, uma unidade feminina de combate do Reino do Daomé (atual Benim), demonstrando habilidades de combate conforme domina oponentes do sexo masculino mesmo estando em desvantagem e com pior armamento. Entre o grupo de guerreiras estão as atrizes Lashana Lynch (007 – Sem Tempo Para Morrer), Sheila Atim (Doutor Estranho no Multiverso da Loucura), e a estrela em ascensão Thuso Mbedu (The Underground Railroad). Por trás dos métodos de treinamento e nutrição para colocá-las em forma esteve a renomada personal trainer Gabriela Mclain.
Mclain é natural da Tchecoslováquia e possui um passado como dançarina, porém após lesões de quadril, uma mudança de carreira e a imigração para os EUA, Mclain fez seu nome como treinadora no novo país. A qualidade de seu trabalho fala por si, como pode ser visto em ‘A Mulher Rei’ pelas proezas de Davis, Lynch, Atim, Mbedu e outras na tela e está no nível do sucesso da bilheteria e com a crítica obtida pelo filme.
Em uma entrevista exclusiva ao Yahoo Brasil, Mclain, personal trainer e nutricionista, fala de seus métodos para preparar o elenco, como é trabalhar com a renomada Viola Davis, se o seu treino pode ser praticado por pessoas comuns e como sua própria batalha com lesões a tornou mais consciente de si e de sua profissão.
Yahoo Esportes: Como foi o processo para preparar o elenco de ‘A Mulher Rei’ considerando as impressionantes cenas de ação?
Gabriela Mclain: ‘A Mulher Rei’ é um tipo bem diferente de filme se comparado a outros ou até mesmo aos atuais, e o digo por conta de ser um filme tão físico, e um dos requerimentos para a ação, conforme a diretora, foi ter me pedido para literalmente transformá-las em atletas, elas tinham de ganhar habilidades o suficiente para alcançarem tal nível.
Não era apenas apresentar uma boa forma. Eu sabia das sequências que elas teriam, logo, tive de compreender que elas não podiam se lesionar e, assim, tivemos de treinar por seis meses sem distensões musculares ou lesões.
Definitivamente foi um tanto diferente do que colocar alguém em forma e aprender uma certa atividade. A abordagem também foi específica.
O que você pode explicar do método utilizado com elas?
Nós estávamos construindo ‘warrior bodies’ (corpos de guerreiras). Em primeiro lugar, não queríamos apenas ganhar músculos, mas também agilidade, velocidade, resistência. Portanto, o método pelo qual as treinei foi muito focado em ganhar músculos e queimar gorduras simultaneamente e de muita intensidade, gosto de usar todos os músculos do corpo em cada movimento, é sempre um treino para o corpo completo em cada sessão.
Eu as treinava em específico, e por exemplo, conforme trabalhávamos tronco e membros superiores ainda assim considerávamos também as pernas. Elas nunca ficaram apenas de pé treinando a parte superior, estavam sempre trabalhando com as pernas comprimidas enquanto focavam no tronco e nos membros superiores ou mantinham essa parte enrijecida ao trabalhar membros inferiores.
Eu diria que era uma sessão para o corpo todo e muito treinamento funcional, já que queríamos fazer delas guerreiras. Elas iriam cortar (com lâminas nas cenas de batalhas) e realizar outros movimentos. Não era apenas uma questão de estética ou fazê-las aparecerem bem no vídeo com corpos fortes, mas elas precisavam também fazer todas as cenas de luta.
A atriz principal Viola Davis está na casa dos cinquenta anos, enquanto algumas de suas colegas eram décadas mais jovens. Mesmo assim, Davis apresentou um físico musculoso e imponente nas telas. Como foi o trabalho com ela em específico?
Exatamente o mesmo com as jovens!
Entretanto, sim, ela é mais velha e eu tinha de considerar que ela também é a protagonista do filme e ela não poderia se machucar porque caso isso acontecesse a produção seria interrompida, então havia mais pressão sobre a Viola do que em qualquer outra pessoa.
Viola já tem lesões antigas e conforme se envelhece elas aparecem. Sendo assim, eu tinha de ter muito cuidado com ela. Aquecimento e alongamento são ainda mais importantes para ela do que para alguém aos 30 anos que não precisa tanto dessas partes do treino.
Quando Viola filmava suas cenas, eu ia lá para garantir que ela estava aquecida mesmo se ela estivesse apenas golpeando com a espada.
No mais, o método foi basicamente o mesmo. Claro, treinos diferentes para personagens diferentes. E se você assistir ao filme, verá que elas possuem habilidades e forças distintas.
Com Viola eu estava mais interessada em aumentar sua massa assim ela iria parecer um pouco mais rija que todas as guerreiras que eram um tanto mais ágeis ou velozes. Tal que, técnicas ligeiramente diferentes foram usadas com ela, mas não a poupei de nenhum estágio do treino por ser mais velha.
Você também ficou à cargo da nutrição das atrizes. Pode nos contar como eram suas dietas?
Antes das gravações começarem, pedi exames de DNA de cada uma delas assim teríamos informações sobre seus corpos. Acredito muito que somos todos diferentes e que cada corpo também o é, e se eu posso desenvolver o plano de treino e o de dieta específicos para seu corpo, então terei os melhores resultados possíveis.
Conforme realizaram os testes de DNA, encontrei a maneira com a qual processam macronutrientes, e algumas pessoas os fazem lentamente, então tive de observá-las com cuidado.
Por exemplo, digamos que Viola não processa gordura muito rápido, então eu cuidaria que sua comida não tivesse altos índices de gordura, especialmente antes ou nos dias de gravações.
Sua alimentação foi baseada nos seus testes de DNA. Todas tinham cinco refeições por dia a cada três horas e as refeições eram um pouco diferentes, mas suas estruturas eram as mesmas. Elas bebiam um galão de água todos os dias... Forçadas (risos), mesmo se não quisessem.
Garanti que comessem todas suas calorias, pois estavam sempre em movimento, logo não poderiam ter déficit calórico, mas comiam aproximadamente entre 1800 e 2000 calorias por dia. Tinha muita parte física e provavelmente tiveram um pouco de déficit.
O programa utilizado pelas atrizes pode ser seguido por pessoas comuns?
100%! Até porque não queríamos corpos de super-heróis, buscávamos o natural, o ‘warrior body’. Então, se você quer ser forte e ter um corpo de guerreira(o) este é seu plano, é assim que você deveria se alimentar e treinar porque assim você será praticamente invencível.
Há 20 anos você tem ajudado as pessoas a obterem o ‘warrior body’. Como descreve este tipo físico?
Eu descrevo o ‘warrior body’ como um corpo saudável, hoje há muitas pessoas, principalmente nas redes sociais, confundindo um corpo saudável por um bombado ou de capa de revistas que não são necessariamente saudáveis.
Todos nós temos estruturas corporais distintas, alguns são maiores, menores, mais magros, ou mais largos. Penso que todo mundo deveria obter o melhor que seu corpo oferece e não se comparar tentando alcançar os resultados de outros.
Repito, um corpo forte não tem necessariamente 0% de gordura. Para um corpo ser verdadeiramente forte é necessária uma certa gordura para armazenar energia. É por isto que o ‘warrior body’ é forte e saudável.
Você é tcheca e teve muito sucesso com o treino de cardio que chamou de “Taerobic” principalmente na República Tcheca e na Eslováquia. Pode nos falar como é a Taerobic?
Taerobic foi há muito tempo!... (risos)
Isto foi quando eu era muito jovem.
Taerobic foi inspirada pelo Tae Bo (método criado pelo ator e artista marcial Billy Banks) tanto que o nome é “Taerobic”. Eu era uma profissional da dança naquela época e me apaixonei pelas artes marciais. Minha lesão se deu aos 20 anos e as artes marciais ajudaram na recuperação do meu corpo por meio da respiração, alongamento e a ter mais consciência corporal, eu simplesmente me apaixonei, na época eu trabalhava com um carateca veterano e desenvolvemos um sistema com dança, karatê e ginástica aeróbica, o nome é “Taerobic”.
De certa forma era semelhante ao Tae Bo, mas nós colocamos o nosso toque, deu muito certo e tudo ocorreu antes da minha vinda aos EUA. Era meu treino predileto, adoro me movimentar e artes marciais, acho lindo, é muito parecido com dança e com fitness. Logo, pude combinar tudo e ainda a utilizo com meus clientes.
Na época que você era dançarina, uma lesão de quadril encurtou sua carreira, mais tarde após sua primeira gravidez você foi diagnosticada com uma doença autoimune. Como superou esses problemas de saúde tanto física quanto psicologicamente?
Bem, mentalmente... (risos). Sabe, eu estava cansada de dizer a mim mesma: “Por que eu?! Por que eu?!”.
Creio que as coisas acontecem por algum motivo e por mais que eu não gostasse daquilo naquela época, hoje tenho 44 anos, eu vejo que tudo na vida me trouxe até este momento e consigo entender meu corpo, isto me tornou uma treinadora melhor, alguém que realmente está cuidando do corpo dos outros porque como compreendo as lesões e as dores sei que às vezes forçar um tanto mais não é fácil.
No fim, me cansei da minha autopiedade e disse para mim mesma: “Ok, eu preciso superar isto”.
Eu estava perdidamente apaixonada pela dança, ela era minha vida naquela época e meu sonho sempre foi vir para a América e dançar, mas quando finalmente cheguei, me lesionei. No momento pensei: “deve ter uma razão por trás disto”.
Na época havia um homem que era um dos cabeças do mundo fitness da Tchecoslováquia, e me deu algumas ideias, e, ao me observar treinando na academia, sempre dizia: “Gabi, você trabalha muito bem com corpos. Por que não vira uma treinadora?! Você é realmente muito boa!”.
E eu pensava: “É, eu deveria mesmo”. E foi assim que comecei a estudar o corpo mais a fundo, e também como fazer para me recompor, tanto que pensava: “eu tenho de me reconstruir”.
Iniciei as aulas de karatê pela respiração e eu tentava me alongar porque eu fiquei com uma perna muito travada por conta de ligamentos e juntas que passaram pela cirurgia, mas eu as sentia enrijecidas e isto era um problema, eu não conseguia me ajoelhar sobre uma perna, então meus alongamentos eram bem limitados. Naquela época consegui minha licença (profissional), e me apaixonei por treinar pessoas, adoro dança e foco nisto.
Resumindo, assim que virei uma educadora física passei a aplicar as técnicas em mim mesma, fui minha primeira cliente.
Como estas duas passagens em sua vida influenciam a maneira com a qual você treina seus clientes?
Realmente, tudo se dá por um motivo é preciso acreditar que aquilo foi um problema e definitivamente não foi uma época boa.
Em minha segunda gravidez percebi que realmente precisava me conectar com meu corpo, isto fez de mim uma treinadora melhor já que eu pude entender as dores e dificuldades que minhas clientes tinham.
Após ‘A Mulher Rei’ e tendo encontrado sucesso tanto no Leste Europeu quanto nos EUA. O que você espera para sua carreira?
Mesmo antes de ‘A Mulher Rei’ eu já amava o mundo fitness e auxiliar os outros, não vou dizer “mudar a vida das pessoas”, porque não faço isto, você precisa decidir mudar seu estilo de vida por conta própria.
Mas ajudo as pessoas a enxergarem que se elas mudarem um pouco já se sentirão melhor, ver as pessoas se sentindo bem é o que me cabe.
‘A Mulher Rei’ é um filme perfeito para isto porque eu vi na tela como minha técnica de treino as ajudou a obter aqueles corpos e a se tornarem guerreiras, claro que contando também com Danny Hernandez (coordenador de lutas e de dublês), os dublês e os coreógrafos de lutas que são impressionantes.
Nossa soma resultou num ótimo time e eu apenas precisei fazer minha parte e caso você queira treinar comigo acesse o site gabrielamclain.com onde há muitos programas de treino e também o de ‘A Mulher Rei’.