A história de Mike Tyson em um seriado tão polêmico quanto ele
Os nocautes rápidos nas noites de boxe nos fins dos anos 1980 e início dos 1990 junto a uma personalidade ao mesmo tempo polêmica e carismática fizeram o americano Mike Tyson, 56, transcender os ringues de boxe e se tornar parte da cultura popular, seu nome ainda repercute e uma versão não autorizada de sua controversa história será contada na minissérie de oito episódios “Mike: Além de Tyson” (Mike, 2022) da plataforma americana Hulu e no Brasil será exibido pela Star+, ambas associadas à Disney, com estreia para hoje, dia 25 de agosto.
“Agressividade, pegada, velocidade, que potencializava, e muito, a eficiência de sua pegada, muito vigor físico, e uma defesa melhor do que dão crédito a ele”, define Eduardo Ohata, comentarista dos canais esportivos da Disney, sobre o estilo do bicampeão dos pesos-pesados.
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O pugilista atuou entre os profissionais de 1985 até 1991, ficando ausente por uma condenação e prisão por estupro, a qual serviu pena de três anos, voltando em 1995 e finalizando a carreira em 2005. Nesta segunda fase teve a polêmica luta na qual mordeu a orelha de Evander Holyfield.
Tyson mantém o recorde de campeão dos pesados mais jovens, ao obter o título aos 20 anos, quatro meses e 22 dias quando superou o jamaicano Trevor Berbick em 22 de novembro de 1986 pelo título do Conselho Mundial de Boxe (World Boxing Council). Já sua performance mais memorável se daria diante do lendário Michael Spinks no dia 27 de junho de 1988.
“Ele foi uma estrela que brilhou intensamente, mas por um período relativamente curto; pesou a morte de seu mentor Cus D´Amato, sua ‘independência’ dos empresários Jim Jacobs e Bill Cayton e, por fim, a demissão do treinador Kevin Rooney; aos poucos Tyson foi se perdendo dentro e fora dos ringues”, aponta Ohata.
Não é incomum vê-lo em listas de melhores de todos os tempos, conforme denota Ohata: “nessas listas de historiadores e especialistas, ele frequentemente ocupa posições na segunda metade dos top 10, ou até é deixado de fora dos top 10; independente disso, na minha opinião pessoal, na noite em que precisou de apenas 91 segundos para destruir Michael Spinks, Tyson seria competitivo com qualquer campeão dos pesos-pesados da história”.
Para o americano Richard Newby, autor e jornalista de cinema, Tyson tem uma figura tão forte que cineastas e produtores não conseguem ignorá-lo, e além de sua carreira de pugilista se manteve relevante no léxico cultural com filmes como “Se Beber, Não Case!” (The Hangover, 2009), o seriado de animação “Mike Tyson Mysteries” (2014 – 2020), o game “Mike Tyson’s Punch Out!!” (1987) da Nintendo, um monólogo na Broadway dirigido por Spike Lee e exibido pela HBO em 2013, o livro de memórias “Mike Tyson: A Verdade Nua e Crua” (2013) que entrou para os best-sellers do New York Times, além de produzir o documentário “Champs” (2014) que examina as carreiras do próprio Tyson, Holyfield e Bernard Hopkins. Newby crê que “ele não tem receio de (participar) e se divertir, desde que esteja envolvido no processo”.
A polêmica não autorizada
Quando anunciado em fevereiro do ano passado, o seriado gerou polêmica uma vez que Mike Tyson afirmou sentir-se explorado e declarou em suas redes sociais: “O anúncio da Hulu de fazer uma minissérie não autorizada e sem compensação sobre a minha vida, embora infeliz, não é surpreendente”.
“Este anúncio na esteira das disparidades sociais em nosso país é um excelente exemplo de como a ganância corporativa da Hulu levou a essa apropriação indevida da minha história de vida. Fazer este anúncio durante o Mês da História Negra apenas confirma a preocupação da Hulu com dólares em detrimento do respeito pelos direitos das histórias negras. Hollywood precisa ser mais sensível às experiências negras, especialmente depois de tudo o que aconteceu em 2020”, seguiu “Iron” Mike em sua declaração, o qual ainda prometeu anunciar uma obra com sua aprovação naquele momento; um trabalho com o ator Jamie Foxx e os cineastas Antoine Fuqua e Martin Scorsese.
No dia 6 de agosto deste ano, Mike Tyson voltou às redes sociais e mirou sua metralhadora novamente contra a Hulu: “Não deixe a Hulu enganar vocês. Eu não apoio a história deles sobre minha vida. Não estamos em 1822. Estamos em 2022. Eles roubaram a história de minha vida e não me pagaram. Para os executivos da Hulu, sou só um crioulo que eles podem vender num leilão”.
O roteirista de “Eu, Tonya” (I, Tonya, 2017), Steven Rogers, é o criador e produtor executivo da minissérie. Karin Gist atua como showrunner e produtora executiva pelo selo The Gist of It, junto de Claire Brown. Também participando como produtores executivos estão a equipe de Craig Gillespie, diretor de “Eu, Tonya”; Bryan Unkeless e Scott Morgan, da Clubhouse Pictures; Tom Ackerley e Margot Robbie, da LuckyChap; Darin Friedman, da Entertainment 360; e Anthony Hemingway, Anthony Sparks e Samantha Corbin-Miller. Além de estrelar, Trevante Rhodes também atua como produtor executivo. “Mike: Além de Tyson” é uma produção da 20th Television.
Newby acredita que o público em geral não gostaria de ver pessoas da vida real apresentadas de forma imaculada como ocorre em muitas produções nas quais há envolvimento do biografado, porém o jornalista também crê que quando se apresenta a história de alguém ainda vivo “há uma sensação de que se passa dos limites ao não ter a produção contando com seu respaldo”.
O crítico americano ainda recorda que um “casamento feliz” em cinebiografias se deu em “Touro Indomável” (Raging Bull, 1980) no qual foi contada a história do lendário pugilista Jake LaMotta tendo no papel principal Robert De Niro e a direção de Martin Scorsese. “O lado sombrio de LaMotta foi plenamente apresentado e Scorsese pôde contar a história por suas lentes e ainda com envolvimento de LaMotta. Mas ainda creio (que tais projetos) funcionam quando o personagem consegue por seu ego de lado para então ser alcançado este nível”.
Outro debate é a falta de diversidade nos altos escalões de Hollywood, a showrunner de Mike: Além de Tyson é uma mulher negra, sinalizando o avanço de minorias no ramo, mas mesmo com as mudanças no mundo do audiovisual americano minorias ainda encontra dificuldades como falta de oportunidades, disparidade de pagamentos além dos casos de assédio e estupro.
“(A diversidade) cria, se não uma perspectiva mais honesta, ao menos uma mais significante culturalmente. No caso de Tyson é verdadeiro que aquilo que ele representa para a cultura negra americana é diferente do que representa para outras culturas. Há uma busca por líderes no ramo que possam expressar e respeitar essa cultura, conhecendo seu público-alvo e adicionando autenticidade”, explica Newby.
Uma dessas histórias é a do próprio Tyson e pelas produções da qual participa ou é mencionado se vê que mesmo após quinze anos afastado de lutas profissionais ainda é mais famoso que muitos atletas em atividade logo sendo atraente para mídia, dentre ele seriados como “Mike: Além de Tyson”.
“O boxe vivenciou um ‘renascimento’ graças a Mike Tyson, uma figura que transcende o esporte. Gerou da parte do público em geral, não apenas dos fãs do boxe, um interesse e popularidade que não se via desde a era Muhammad Ali. Suas lutas não eram apenas lutas, mas verdadeiros eventos. As programações das TVs abertas da época passaram a ter mais boxe, inclusive. Inequivocamente influência do ‘efeito Tyson’. É imbatível a combinação de seu estilo brutal dentro dos ringues, a imagem que foi criada, sem robe, sem meias e calção preto; já fora dos ringues, as confusões em que se metia também atraía a atenção do público, como o dia que jogou a mobília pela janela na direção da então mulher Robin Givens e da sogra Ruth Rooper, o episódio em que bateu o carro de luxo numa árvore e presenteou os policiais com o veículo, a briga de rua com o ex-rival Mitch ‘Blood’ Green e outras histórias”, acredita Ohata sobre o peso-pesado que é também é ávido leitor de Maquiavel e foi amigo do falecido rapper Tupac Shakur, ou seja, uma figura mais complexa do que em geral se acredita.
Paralelamente, Mike Tyson trabalha em um seriado, o qual sinalizou na sua postagem mencionada acima, e, que originalmente seria um filme. A peça terá direção de Antoine Fuqua (Dia de Treinamento), atuação de Jamie Foxx (Ray e Django Livre) e o produtor executivo será Martin Scorsese (Os Bons Companheiros). Não obstante, um material com as bênçãos de Tyson.
“Teria sido um dos maiores filmes de boxe da história”, acredita Newby caso a película tivesse seguido adiante. “Um quarteto de lendas que amadureceu ao longo de anos e creio que estão prontos para produzir algo que levará à uma reflexão honesta. Creio que dado o status lendário de Scorsese e Fuqua, Tyson estaria mais aberto a apresentar sua vida de uma maneira com a qual não se sinta explorado.”
A produção “Mike: Além de Tyson” abre o debate sobre liberdade de expressão e Karin Gist disse o seguinte em entrevista ao Entertainment Weekly dos EUA: “não estamos tentando dizer que Mike Tyson é um herói ou que Mike Tyson é um vilão. Nosso objetivo era cavar dentro das camadas daquilo que fizeram dele ser admirado e odiado, sendo leal à nossa Estrela do Guia de 'ninguém é (apenas) uma coisa'. Para transmitir tanto os aspectos bons quanto os ruins, ou seja, todos os lados de Mike”. Mesmo aposentado, Tyson ainda gera muitas histórias.
“Logo após a saída de Tyson de cena, ou até nos estágios finais de sua carreira, algumas pessoas questionaram quando o ‘próximo Tyson’ chegaria. Elas estão esperando até hoje. Tyson é uma figura única, singular, com um estilo diferenciado, veloz e pegador, brutalmente eficiente dentro do ringue, e tem toneladas de carisma (e polêmicas) fora. Não é todo dia, ou toda década, que surge um Muhammad Ali ou um Mike Tyson”, acredita Ohata quando questionado se haverá um lutador de boxe que cative tanto o público quanto Tyson.
“Mike: Além de Tyson” tem como protagonista Trevante Rhodes (Moonlight) e dá destaque para Russell Hornsby (Um Limite Entre Nós) como Don King, além de contar com a participação especial dos artistas Harvey Keitel (O Grande Hotel Budapeste) como Cus D’Amato, Laura Harrier (Infiltrado na Klan) vivendo Robin Givens e Li Eubanks (Meu Nome é Dolemite) como Desiree Washington.
A estreia de “Mike: Além de Tyson” é vista como um passo para os canais Disney apresentarem mais biografias e pelo trailer se percebe que é uma produção de alto custo e envolvimento de talentos do primeiro escalão.